PERFORMANCE, OBJETO E IMAGEM - Escritos sobre os Rastros de uma Pesquisa.
Sumário
1 – Objeto-Mundo – Imagens
Performáticas
Performance,
Identidade e Autoimagem - Fernando A. Stratico.
Objeto Cênico e o Sujeito – História, Memória e
Inter-relações - Fernando A. Stratico.
A
Escrita-Leitura do Teatro e a Construção de Identidades – Fernando A. Stratico.
Identidade, Jogo Cênico e o Objeto/Imagem – Fernando A. Stratico.
A Relação Corpo/Objeto e o Discurso Poético das
Proposições de Lygia Clark – Fernando A. Stratico.
Lygia
Clark e a Imagem Performática de Baba Antropofágica – Fernando A. Stratico.
Os Sentidos Corporais e a Construção das
Palavras – Sandra Parra Furlanete.
2 – Objeto e Imagem: Desdobramentos e
Processos de Formação
A
Dimensão Conectiva e Educadora da Obra de Beth Moysés – Ronaldo Alexandre de Oliveira.
Imagens
da Escola e da Arte nos Processos de Ressignificação da Educação – Ronaldo
Alexandre de Oliveira e Fernando A. Stratico.
Objeto, Teatro e Performance: uma Investigação
Introdutória – Fernando A.
Stratico.
Ainda sem Título – Laís
Marques da Silva.
Murmúrios
do Bojo – Raquel Palma.
Ave Chuva - Lis Gonzales
Peronti.
Desesperos
à parte…quinze maços de cigarro, oitenta e duas bitucas e ele ainda vai voltar
– Tatiane da Silva.
Não podia ser em outro lugar? – Samara Azevedo de Souza
Aqui
Jaz - Fernanda Missiaggia Hernandes.
Cuidado
Frágil - Fabíola de Oliveira Antico de Freitas.
A Festa de
Odete - Luciano Matricardi de Freitas Pinto.
Folhas
- Vitória Beatriz de Aquino Andrade.
Invólucro - Renata
Andrea Santana de Lucia.
Contágio Imagético: A Imagem Cênica e a Peste no
Duplo Teatral de Antonin Artaud - Paulo Theodorico
Cucaroli Barducci.
A Musculatura Afetiva: Investigações sobre
Imagens do Teatro da Crueldade - Paulo
Theodorico Cucaroli Barducci.
A Identidade e o
Objeto/Imagem na Performance: um Panorama sobre Márcia X - Tatiane Cristina da Silva.
Construção de Imagens e Utilização de
Objetos no Teatro da Morte - Luciano Matricardi de Freitas Pinto.
O
Nôgaku e a Construção Cênica Através da Imagem - Lucas Iglessias.
Meyerhold - a Construção do Objeto e da Imagem
Cênica - Caroline
Rodovalho.
Um Jogo Entre Identidade, Objeto Cênico e Memória - Gabriella
dos Reis Ferreira.
PREFÁCIO
No princípio, era o objeto - a pele de um bode, elemento sagrado, vestida durante o rito antigo por
aquele que evocaria o deus Dionísio. No princípio, eram falos, objetos profanos a invocar o poder
do sexo, dos fluidos e da seiva fecundadora. O vinho, objeto-líquido, fonte
inebriante geradora de êxtases, também estava no princípio. Nesse princípio, era a imagem: feições
de deuses, de sátiros, de titãs e ninfas. E tal qual a imagem, eram as
elaborações terrenas, que recebendo vida pelos corpos dos humanos, passariam a
ter vida por si mesmas. No início, era o colocar da máscara, o levantar o
cálice, o bramir da espada, o bater dos címbalos; que era e ainda é, num
interminável princípio, o teatro em seus primórdios, em seu modo de surgir do
rito, de cada ação de magia. No princípio, era também o verbo, que se aliou ao
pequeno universo das coisas, dando nomes e forjando a fala, criaturas
constituídas por fonemas, encantórias e misteriosas, que ainda hoje – depois de
tantos milênios – fazem-nos tocar nos objetos e nas imagens sem tocá-las; para
cada uma destas coisas, há palavras mágicas pronunciáveis.
No princípio, assim como agora, havia
pedras, facas, ânforas, crânios, anéis, fios, cântaros. Como no princípio, em ações espetaculares, todas as coisas se tornam
sagradas. As coisas mais mundanas são lançadas - por esses mágicos videntes - a
quem chamamos atores, atrizes e perfórmeres - ao estado sublime. Vasos de barro
são elevados aos céus. Sangue e ossos são arrebatados por ações rotineiras,
como o esfregar com água. Ações modestas fazem transcender pedaços de plástico,
borracha, pregos e caixas de papelão. E assim, a cena concebe artefatos,
imagens cênicas de reis e de demônios, rostos de fadas e de camponesas, figuras
cujas ações se mesclam a objetos, recebendo toques de mãos e de corpos em
estados que não são fáceis de descrever. E, embora percebida, essa presença das
coisas, em sua união com o corpo em estado teatralizado (adereços, cenários,
objetos de cena), não revela tão facilmente o seu poder e potência.
Esta é, talvez, uma energia latente, um
sentido armazenado nas coisas; significados silenciosos a residirem nos
objetos, habitantes das ações cênicas. Eles são construídos para serem mostrados ou
manipulados (uma vez construí um pequeno crucifixo); erigidos como cenários ou,
simplesmente trazidos da vida comum, tais objetos e imagens transmutam-se em
arte. E ali parecem ganhar mais vida do que já têm. Vivem como estímulo, que
desperta a fantasia, sendo, então, possível um leque virar uma ave, uma rosa
virar um punhal; mas vivem também como sempre foram em seus lugares de origem:
um aquário, um pneu, uma bacia de alumínio – carregados de histórias concisas e
contidas, que revelam pessoas e suas andanças. Com eles o teatro fala, dialoga,
joga, mas parece que somente a performance parece entender a sua língua. No
espaço performativo, objetos e imagens falam e contam sua biografia,
esbravejam, desnudam-se e explodem suas entranhas. Sabedora desta potência, uma
vez que para ela interessa a realidade muito mais do que a ficção – a
performace os acolhe – imagem/objeto/ação – de modo que, ao invés de ser uma
mentira provocada, a ação performativa torna-se mais real que a realidade.
Vislumbrados com a energia e sentido presentes nas
coisas de cena - desde seu longíquo princípio - desejamos investigar esta
presença em processos performativos. Queríamos melhor entender tais processos
e, possivelmente, contribuir para uma metodologia de ensino de teatro que se
vinculasse, diretamente, ao objeto e à imagem, dando-lhes os devidos créditos e
valor. Afinal, o teatro, a performance e as artes visuais apresentam – na
contemporaneidade - uma conexão profunda com a realidade cotidiana. Sobretudo,
queríamos reconhecer identidades e sujeitos envolvidos nos processos com
objetos e imagens, e queríamos apontar para o quanto todo este processo de
produção artística diz respeito à construção e manifestação de identidades.
Os textos deste livro foram produzidos ao longo de
três anos e são frutos dos trabalhos realizados no projeto Identidade,
Jogo Cênico e o Objeto/Imagem (Departamento de Música e Teatro- UEL,
2008-2011) e estão reunidos em duas partes. A primeira parte busca apresentar
reflexões e análises sobre os processos artísticos que envolvem a presença do
objeto e da imagem na performance. Alguns trabalhos de artistas são, nesta
seção, abordados de modo a evidenciar aspectos importantes desta presença. A segunda parte, embora também inclua
análises de obras e considerações teóricas sobre o objeto e a imagem, apresenta
uma ênfase maior sobre os processos de formação. Estes são desdobramentos das
investigações precedentes, e, de certo modo, corporificam o objetivo de
salientar aspectos educativos da relação com objetos e com imagens.
Entre os escritos, encontra-se um bom número de
textos meus; alguns ampliados e revistos, sendo que sua maioria foi apresentada
e publicada em congressos. Juntam-se a esta produção, textos em parceria ou de autoria do
professor Dr. Ronaldo Alexandre de Oliveira – do Departamento de Arte Visual
(UEL) - que tem desenvolvido pesquisa voltada para os processos de formação em
arte, e sua relação com o objeto e o espaço; processos estes que o pesquisador
intitula de metodologia da presença -
uma metodologia do ensino de arte que inclui o sujeito e sua bagagem cultural
no dia-a-dia da aprendizagem. Contamos também com um artigo da professora Ms.
Sandra Parra Furlanete - do Departamento
de Música e Teatro (UEL) - que tem se dedicado à pesquisa em torno da
integração entre voz e movimento no trabalho do ator. Entre os autores –
colaboradores do projeto – estão também pesquisadores estudantes, hoje bacharéis
em Artes Cênicas, que deixaram sua contribuição seja por meio da iniciação
artística ou científica, ou como estudantes da disciplina de Interpretação IV,
do Bacharelado em Artes Cênicas
– UEL. Sua contribuição é valiosa para este trabalho por apresentar
desdobramentos importantes relativos à pesquisa realizada no projeto, o que
atesta a importância do vínculo entre a pesquisa e as disciplinas da graduação.
A formação do estudante como pesquisador depende, sobretudo, de uma abordagem
para o ensino como sendo pesquisa. Este é também um momento de manifestação de vozes coletivizadas, que nem
sempre encontram espaço em publicações.
Como todo princípio, este estudo
evoca um poder gerador, uma expansão crescente, como aquela do rito antigo,
que, esperamos, seja ampliada em outras visões, escavações, conversas e
pesquisas.
Fernando
A. Stratico